Adolescentes não sabem tomar anticoncepcionais (JE 320 - Junho/2019)
Um dia, ao chegar na casa de minha mãe, quando meu filho tinha cerca de quatro anos de idade, fui surpreendida com ele deitado sobre uma menina da mesma idade, na casa de minha mãe, onde ficava nos dias em que eu precisava viajar a trabalho. Os dois brincavam de namorar com a mesma naturalidade que brincavam com o quebra cabeças que ainda estava espalhado pelo chão.
Fiquei apavorada e antes que eu puxasse meu filho e tivesse uma ‘conversa ao pé do ouvido’ com ele, mamãe me conteve com um olhar. A intervenção de minha mãe chegou em tempo de não me deixar cometer um erro grave na educação sexual de meu filho.
Com a sabedoria de quem já tinha criado seis filhos biológicos, outra meia dúzia de netos e dezenas de filhos de patroas, veio ao meu encontro e disse calmamente que eles não estavam fazendo nada errado, apenas brincando.
Ela explicou, a seu modo, que as brincadeiras sexuais são parte do desenvolvimento natural do ser humano e são normais nesta idade. “Todos vocês brincaram assim, a maldade está na tua cabeça, não na brincadeira deles”, completou. Esta foi talvez a principal lição sobre sexualidade que aprendi com minha mãe. Na adolescência, era minha mãe que ajudava a negociar com papai para podermos sair nos finais de semana para dançar ou ir na casa de amigas.
Ela nos ajudava a superar o autoritarismo de meu pai, mas nunca nos ensinou com palavras a como prevenir uma gravidez. Não tínhamos este tipo de conversa. Aliás, nos anos 70 e 80, como ainda hoje, é constrangedor para a mãe ou para o pai falar de sexo com os filhos. As orientações são mais sobre o comportamento social. Os aspectos fisiológicos são conteúdo programático das aulas de ciências nas escolas.
É preciso ainda considerar também que, para os filhos, os pais não fazem sexo. O inconsciente coletivo perpetua o sentimento de que ‘essa coisa feia não combina com mãe e pai’, como bem ressaltou uma jovem enfermeira certa vez em que conversávamos sobre as implicações fisiológicas na saúde da mulher, especialmente o HPV, decorrentes de relações sexuais desprotegidas.
Na adolescência e na juventude, minha mãe e eu falávamos das “coisas de mulher” como menstruação, higiene, e em certa medida dos jogos de sedução. As conversas eram centradas nos cuidados e comportamento necessários para manter uma boa reputação em sociedade. Em relação à prevenção, ela apenas alertava: “não me chegue em casa grávida, porque sou eu que quem vou te colocar para fora”.
Eu entendia assim: respeite e faça o que quiser com o teu corpo, mas não engravide. Eu não tinha a menor noção de como fazer isso. Ninguém jamais ensinou como não ficar grávida. Aliás, ninguém também não ensinou como engravidar.
Na escola, nas aulas de ciências aprendi sobre os órgãos reprodutores feminino e masculino, mas daí a ligar esse ensinamento com a gravidez que minha mãe não admitia, bem como com o comportamento social desejável a uma ‘moçinha de família’ essa já era outra lição que não tive.
Escolhi o caminho mais provável para manter a virgindade, condição indispensável para casar-se ou manter-se casada com “um bom partido”, restava dizer não ao sexo e aos homens que se aproximavam. Porque além de tudo, havia ainda a máxima de que os homens ‘só querem aquilo’.
Enquanto morava em uma cidade pequena do interior foi fácil manter essa condição. Mas depois de mudar para Joinville, já com 18 anos para fazer faculdade, senti falta de lições mais realistas e que considerassem os hormônios que circulavam em meu corpo e para minha nova visão de vida.
A universidade abriu outras horizontes e o casamento deixou de ser obrigação passando a ser apenas uma das opções de vida. Com esta nova visão, mais abrangente de mundo, sexo passou a ser um impulso natural. Além disso, os jovens universitárias, eram via de regra, bons partidos, mais sábios e bem articulados.
Ao chegar à universidade, ainda não havia sido orientada em casa e nem na escola sobre os métodos de prevenção não somente da gravidez, mas também de doenças venéreas e da AIDs, que começava a matar os primeiros homossexuais. O medo e o temor da crítica da sociedade sobre minha vida íntima empurrava-me para o mesmo lugar: dizer não ao sexo.
Neste ano de 2019, em tempos de internet, de vídeos pornô correndo na velocidade da fibra ótica de casa em casa, ao ouvir uma entrevista com profissionais de saúde que trabalham com adolescentes, ouvi que a maior causa da gravidez na adolescência, que continua aumentando ano a ano, é que as meninas não sabem tomar anticoncepcional.
Os comprimidos são distribuídos gratuitamente nos postos de saúde, assim como os preservativos masculinos, mas as adolescentes não tomam os comprimidos diariamente e os rapazes não usam os preservativos porque consideram que elas estão ‘imunes à gravidez’.
Aquela declaração surpreendeu-me tanto quanto ver meu filho deitado sobre a menina. Numa época em que o excesso de informações via internet têm provocado até mesmo transtornos mentais, os adolescentes fazem sexo sem preservativos e, pior, não sabem tomar anticoncepcional?
A fala de minha mãe veio novamente à minha mente e lembrei ainda que, nos 29 anos em que lecionei para adolescentes, todas as conversas individuais por iniciativa de alunas e alunos, era exatamente sobre relacionamento homem x mulher, sexo e futuro do relacionamento afetivo. Os textos e trabalhos que tratassem de prevenção do HPV, AIDs e questões fisiológicas relacionadas a sexualidade sempre despertaram o interesse dos alunos.
Muitas vezes levei panfletos e textos em inglês que eram traduzidos muito rapidamente. Nas aulas de português, as redações eram o meio para os estudantes ‘falar sobre’ e, na maioria das vezes, para iniciar uma conversa individual nos intervalos.
É sabido que a sexualidade é tema de grande interesse ao longo de nossa existência e nos intervalos de aulas não é diferente. E por esta razão, as profissionais da saúde alertaram que é tarefa da escola orientar sobre prevenção de gravidez na adolescência e doenças sexualmente transmissíveis já que o tema integra o currículo escolar, geralmente das aulas de ciências.
Elas reforçaram que nossas meninas e os meninos precisam ser orientados urgentemente sobre métodos contraceptivos e preventivos. E, se colocaram à disposição, para trabalhar em conjunto com os professores e professoras que se sentirem desconfortáveis em falar abertamente com as crianças, adolescentes e jovens.
Os meninos e meninas que estão começando cada vez mais cedo a vida sexual e não têm orientação. Na opinião delas, a escola tem que cumprir esse papel, porque as famílias, além da dificuldade natural de um filho ou filha conversar com os pais sobre o assunto, também não receberam orientações no início de suas vidas
O aumento do número de adolescentes grávidas ou contaminadas com HIV, HPV e outras doenças sexualmente transmitidas, as enfermeiras apelam aos professores para que desenvolvam projetos no sentido de prevenir novos casos.
As crianças e adolescentes dos anos pós desenvolvimento dos retrovirais que proporcionam uma vida aparente normal aos portadores de HIV, não tem a menor noção do que as doenças venéreas podem provocar em suas vidas.
Além de não usar preservativos, as meninas não sabem tomar anticoncepcional. Muitas tomam somente no dia que têm relações. Outras tomam esparsamente porque não estão com um namorado e acham que não farão sexo.
Há ainda as que recorrem à pílula do dia seguinte como se fosse anticoncepcional. e sabe-se que a carga hormonal de uma dessas pílulas, pode provocar sequelas graves no aparelho reprodutor feminino.
Enquanto ouvia, lembrei de muitos casos de pais que reclamaram que estariam ensinando sua filha ou filho a fazer sexo. É claro que são aqueles mesmos pais que se recusavam a vacinar sua filha contra o HPV, porque a vacina seria um incentivo ao sexo.
Naqueles casos, e também na atualidade, a alternativa seria explicar àqueles pais que eventualmente questionassem a escola, mas nunca por antecedência, que educação sexual é um dos conteúdos obrigatórios do currículo escolar. E que o trabalho da escola é completamente diferente do da família. E, na pior das hipóteses, pode-se explicar ainda que o objetivo do conteúdo no currículo escolar, geralmente na aula de ciências, é dar orientações para os filhos e filhas dos outros, visando a que respeitem o Não de sua criança.
Se nada for feito, continuaremos a conviver com gerações que se assustam com as brincadeiras de criança, que são essenciais para o desenvolvimento de um adulto sexualmente equilibrado e saudável física e socialmente.