O medo nos acompanha desde os primeiros dias de vida intrauterina via cordão umbilical. O temor de que aquele ser nasça feio ou com algum tipo de limitação física ou intelectual, certamente acompanha nossa mãe, especialmente para aquela mulher para quem a responsabilidade é pesada demais.
Meses depois da separação de corpos, nossos pais nos ensinam o medo ao imaginário bicho papão. Sempre escondido em algum canto escuro, aquele ser com superpoderes e materializado no formato exato de nossa imaginação, nos acompanhará até a última respiração.
O medo da morte (e não somente de morrer) vai se instalando por meio de diferentes emoções. O desconhecido tem o poder de nos “tirar da vida”, ou pelo menos torná-la mais desafiadora do que seria se ele não chegasse em nossa vida.
A inocente estratégia de poder e dominação de nossos pais e ascendentes entra em nossas vidas como a flecha certeira de um cupido no coração dos jovens em idade de acasalamento. Assim, o medo da morte é incutido em nossas mentes em formato de crença limitante e, em algum casos, até paralisante. Crença que vai agregando mais e mais limitações a nossa existência terrena.
Independente do objetivo de nossos pais, seja nos fazer comer ou “sossegar o faixo”, o bicho papão nos faz tremer. E, toda vez que ele entrar em nossa rotina, fará nascer e florescer o medo. Com ele, nascem também as crenças limitantes. O medo de morrer, de não ser amado, de perder nosso amor ou de ter de lidar com a dor de ter transmitido o vírus para quem amamos; é que tem mantido os seres humanos, de todo o mundo, em casa.
Desde que foi decretada a pandemia, em 11 de março de 2020, vivemos meses de restrição à liberdade de ir e vir, de medo de ser o portador ou o receptor do vírus mortal. Nos mantemos afastados das ruas, das escolas, das festas de família, dos bailes, dos jogos coletivos...
Enfim, temos medo de ter que conviver com a dor e o sofrimento de ter provocado a morte de alguém, já que ninguém sabe como o corpo reagirá ao vírus. A falta de tratamento e de vacina para prevenção, tornam esse ‘bicho papão’ ainda mais poderoso e, para muitos, já se transforma em síndrome de pânico, pavor e paralisa.
Ao longo de nossa existência, experimentamos diferentes crenças limitantes: religiosas, políticas, educacionais e sociais. O medo de não ´ser amável´ gera sentimentos como a inadequação, não pertencimento, impotência, não merecimento, entre outras.
O amor é o oposto do medo. Somente o amor profundo pela própria essência e vida (somos a trindade: pai - o outro, a mãe - criadora e o espírito) preencherá a lacuna interior. É preciso viver o presente, o único tempo que existe. O passado são só memórias e o futuro são expectativas. Respirar, expirar e agradecer são atos que nos mantém vivos e no presente.
O desafio de viver o presente inclui dominar o medo dos próprios pensamentos. Trazer para o consciente o medo de morrer e transformar a possibilidade de ficar na solidão de um leito hospitalar sem direito à visitas, num aliado para permanecer neste plano terreno. Afinal, se somos parte do problema, somos também parte da solução.
O ‘bicho papão’ da atualidade nos leva a ficar imersos em nossas crenças limitantes e perdermos a capacidade de raciocinar. Munidos de todo o aparato apontado como prevenção, especialmente a alimentação capaz de aumentar e manter nossa imunidade ativa, atividades físicas regulares e diárias (20 minutos), o distanciamento social (1,5 metros), a higienização constante das mãos e o uso de máscaras, precisamos respirar. Respirar é viver.
Nascemos sozinhos, vivemos sozinhos e morreremos sozinhos. As despedidas de um funeral são para os que ficam, não para quem parte. Para alguns, é estranho ter medo de morrer, uma das poucas certezas da vida. A outra certeza, a de que tudo muda, nos leva a adiar ao máximo a morte.
O medo da morte resulta da subordinação à crença de que há algum lugar para se ir com este corpo, após a energia vital abandonar o corpo físico no plano terreno. Mas este corpo não será necessário no outro plano. Portanto, é tudo uma questão de “deixar ir” ou desapegar.
Entretanto, apesar da racionalidade e da ciência dominarem o pensamento mundial, desde 11 de março de 2020, a humanidade vive sob o domínio do medo do ainda desconhecido Corona vírus. Até o momento, não há sequer um tratamento considerado eficaz.
Apesar das disparidades econômicas e sociais terem ficado ainda mais à mostra, das centenas de milhares de divórcios, de separação de corpos entre pais e filhos, do aumento da violência doméstica, do aumento da evasão escolar, do fechamento de milhões de postos de empregados, do aumento das doenças psicológicas e até mesmo do abandono de tratamento de outras doenças tão letais quanto o COVID-19 e de ninguém aguentar mais viver dentro de quatro paredes, continuamos sob o cobertor do medo.
Vivemos sob o domínio do medo e não há outro caminho. Somos o único ser com quem teremos de conviver pelo resto de nossos dias. Portanto, também temos medo de ter que conviver com a dor ou a ‘culpa da incerteza’ de levar a morte para dentro de nossa casa. E assim a vida segue...