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Opinião do Jornal

Se A ESCOLA muda, o MUNDO muda (Junho 2021)

A pandemia nos trouxe muita aprendizagem, mas a principal é a certeza de que tudo muda o tempo todo. No exato momento em que mudamos nossa percepção da situação ou da pessoa, ela muda. E se uma pessoa muda, o mundo muda. Afinal, “é de grão em grão que a galinha enche o papo”.

 A aceitação da mudança como regra talvez seja a principal das aprendizagens. A percepções (ou o entendimento para alguns) de que cada um deve encontrar o que é o seu essencial, é outra. Respirar a cada amanhecer, viver cada dia de uma vez e fazer somente a parte que lhe cabe neste momento, já é suficiente para o bem comum.

Os humanos, somos hoje, uma legião de ansiosos preocupados com o futuro. Tudo isso porque descobrimos o essencial: somos um planeta de seres vivos em constante mudança. O presente é um tempo totalmente instável. Vivemos na insegurança, na corda bamba da dança dos números da pandemia.

 O mais importante e seguro a se fazer nesse momento, em que todos os humanos nos descobrimos co-dependentes uns dos outros é viver o tempo presente, o hoje. Afinal, ou todos ganhamos, ou todos perderemos a batalha pela manutenção da vida humana no planeta. Se um decide não tomar a vacina, esse pode ser o seu decreto de morte ou da morte de uma outra pessoa que reside há quilômetros dela, ou até no outro lado do planeta.

 Com a escola pública brasileira, não é diferente. Ela precisa (re)descobrir a sua essência e fazer o seu papel essencial: ensinar o saber científico a nossas crianças, adolescentes e jovens. Essa também foi a grande aprendizagem da instituição escola mundo afora. E não só das escolas (entendidas como todo o corpo docente e administrativo), mas também dos pais e familiares que perceberam o quão impotentes são no ensinar a ciência para seus filhos.

 O entendimento maior é o de que não há necessidade da escola trazer para si o que é obrigação dos pais na sociedade capitalista: prover seus filhos de comida, roupa, atendimento à saúde e necessidades materiais à sua sobrevivência física, mental e espiritual. Este é o papel dos familiares e não cabe à escola. É a família quem deve dar segurança a seus filhos.

 Com o isolamento social, foi possível perceber que aos pais (ou quem cumpre este papel) cabe alimentar, vestir, prover dos materiais escolares, religião, socialização e humanidade. À ESCOLA cabe pura e tão somente, ensinar ciência, repassar às gerações atuais e futuras o conhecimento científico construído pelo ser humano pesquisador-científico ao longo de sua história.

 Tivesse feito a parte dela nas últimas quatro décadas, ao invés de trazer para si obrigações que eram da família, a escola teria um papel completamente diferente nesta pandemia. Seria a líder no momento de prevenção e propagação do conhecimento. Os estudantes teriam aprendido e repassado às pessoas de sua convívio, desde o início, que vírus tem este nome exatamente porque muda a cada momento. E que, por sua natureza parasitária, atua de modo diferente em cada corpo que adentrar.

 Somente este conhecimento evitaria as filas de transplantes de fígado e rins que se formaram pelo uso indiscriminado de medicamentos sem receita médica a título de prevenção à Covid-19. Medicamos desenvolvidos para tratar doenças graves, como malária, lupus e até vermífugos. Quando tomadas em excesso e sem necessidade, esses medicamentos comprometem o fígado e rins, podendo até mesmo provocar a deterioração destes e de outros órgãos do corpo humano.

Meu pai, alfabetizado no Mobral, sempre disse que “tudo o que é demais é veneno”. Ele sempre soube que o excesso pode matar. Como tem feito com quem se automedicou pensando estar prevenindo Covid-19 e agora está na fila de transplante de fígado e rins. 

Também não teríamos os milhares de ignorantes que se recusam a tomar vacina, a única forma conhecida até o momento de prevenir a infecção por vírus e de barrar a evolução de novas cepas do Coronavírus, já que não há tratamento medicamentoso para nenhum tipo de vírus. Evitaria a crescente a arrogância de ignorantes que preferem aguardar uma determinada vacina em detrimento de outra e, enquanto isso correr o risco de propagar o Coronavirus e outras doenças.

 Aliás, movimentos contrários à vacinas já fazem parte da nossa história. E suas conseqüências também. Antes mesmo da pandemia vinha crescendo, junto com a ignorância, a quantidade de campanhas especialmente de grupos religiosos  neste sentido. O conhecimento científico liberta da ignorância e tira a população carente do jugo de fanatismo de todo ordem (religioso, político, alimentar etc ). São os mesmos grupos “de cegos pela ignorância”, que seguem pseudolíderes religiosos e políticos 'salvadores de almas/vidas' mundo afora.

Por conta desses movimentos, doenças virais, como o sarampo, voltaram a matar no Brasil. É este mesmo movimento que por razões políticas partidárias (ou idolatria) propaga informações falsas e inverídicas. Em relação às vacinas, fizeram até ranking das disponíveis aos brasileiros, usando como critério, a tendência política partidária.

 Somente ignorantes (no sentido literal do termo) podem defender este tipo de coisa. Pois, quem conhece minimamente a natureza de um vírus, sabe que ele provoca 'estrago' diferente em cada corpo. De mesmo modo que a vacina o fará. Reforçando, cada um tem que fazer a sua parte: usar máscara, higienizar as mãos, evitar contato direto e tomar a vacina que estiver disponível no momento em que for ao posto de vacinação.

 Ou seja, se a escola tivesse, nas últimas quatro décadas, se dedicado a cumprir sua missão essencial, a pandemia não estaria provocando estrago intelectual, sanitário e econômico tão grave nos brasileiros de todas as regiões do país.

 

No dia 19 de junho, o país ultrapassou os 500 mil mortos por Covid-19. Isso ocorreu apenas 50 dias depois de chegar à marca de 400 mil e 15 meses após a confirmação da primeira morte pela doença em fevereiro de 2020.

 São mais de 1/2 milhão de mortos (511mil142 ) desde o primeiro registro, em 12 de março de 2020. Mas ainda não sabemos quantos dentre os recuperados que ficarão com sequelas e qual o tamanho das perdas na saúde física e mental dos brasileiros de todas as idades.

 Ainda vivemos em tempos incertos. Por mais que planeje, estabeleça estratégias, faça os investimentos materiais, pessoais e afetivos, o resultado pode ser alterado. Tudo o planejado para o dia seguinte, pode mudar a qualquer momento. O rumo de sua vida, muda num piscar de olhos.

 O sentimento preponderante é o de impotência. Por outro lado, a gratidão por respirar a cada novo amanhecer, também está presente. E esta é também uma grande mudança. O mesmo aconteceu com o planejamento dos estudos para os anos letivos de 2020 e 2021 mundo afora. Grande parte foi inócua.

 Escola alguma no mundo conseguiu manter a programação de estudos em 2020 e 2021. Nos países, como o Brasil, em que o ano letivo acompanha o ano calendário, o planejamento para o ano de 2021, independente de quando foi feito, precisa ser readequado à nova realidade diariamente.

 Assim como o vírus e muitas doenças decorrente da sua atuação no corpo humano, a pandemia entra em todas as escolas e suprime a cada segundo, alguém importante para o processo de ensino. Não importa a distância física em que esta pessoa esteja. Mesmo estando há quilômetros de distância da escola, alguém deixa de fazer parte do processo.

 Seja na produção do grafite para lápis, seja na criação de exercícios nos livros didáticos ou nas famílias de algum professor, a cada segundo, há alguém fazendo a passagem desse para outro espaço-tempo. Milhares de novas famílias entrando em luto. São milhares de avós, avôs, mães, pais, filhos, netos, sobrinhos, irmãos desenvolvendo o sentimento de impotência. O maior dentre os causadores de doenças mentais.

 Assim, a ESCOLA BRASILEIRA que nas últimas quatro décadas foi gradativamente assumindo as obrigações e papéis dos pais e famílias na vida de nossas crianças e adolescentes, viu-se impotente em fazer o que é a sua essência: ensinar ciência.

 A mudança foi drástica, repentina e dramática. Um desafio incompatível com o atraso tecnológico e o constante desempoderamento das professoras e professores como agentes proativos do ensino.

 Como num passe de mágica, esta obrigação de ensinar ciência foi devolvida aos professores. Infelizmente desacompanhada das ferramentas tecnológicas e intelectuais essenciais para o cumprimento desta obrigação básica.

 Ao mesmo tempo, a responsabilidade por aprender, deveria ter sido devolvida aos alunos. Os pais entraram em desespero, pois perceberam que também estão falhando em seu papel essencial (o de provedor).

 Sobreveio a impotência. Sentimento perturbador e destrutivo da saúde mental em seres humanos de quaisquer nível social, cultural, econômico ou intelectual. E o mundo são as pessoas, não é o lugar, não são os animais, não são as riquezas naturais ou industriais, não é o status do poder, nada tem a menor importância, somente as pessoas fazem o bem ou o mal.

A falta de equipamentos e conhecimentos em informática e suas ferramentas (app, programas, internet, etc) foi apontada por todos, como uma das principais causas do fracasso da escola em cumprir sua missão neste período de pandemia. De modo que, a tônica foi, e continua sendo: “o professor faz de conta que ensina e os estudantes fingem que aprendem”.

 Dar nota suficiente para o sistema aprovar todos os alunos e o retorno da aprovação automática, inclusive com a eliminação de faltas até mesmo para aqueles que sequer fizeram os exercícios entregues na porta de sua casa, foram as alternativas usadas pela maioria dos sistemas educacionais Brasil afora.

 A alternativa de aprovar automaticamente todos os alunos, independe de terem ou não aprendido o mínimo ou comparecido à escola ou os exercícios do ensino remoto, evitou a caça aos culpados, mesmo que na mente dos gestores educacionais de todos os níveis de escolaridade, este não seria o procedimento correto.

 O fracasso escolar, assim como o vírus, são bem democráticos: atingem a todos igualmente. A escola acusa os pais. Os pais acusam os filhos. Os alunos acusam os professores, que acusam a escola, que aponta para os pais, que...

 Enfim, todos fracassaram em sua missão essencial: prover conhecimento científico mínimo a nossas crianças e adolescentes nestes quase dois anos letivos, deste período de pandemia. O fracasso escolar veio para todos os envolvidos: gestores, professores, alunos e pais. 

 Alguns pesquisadores garantem que são dois anos perdidos para esta geração que não terá como recuperar, aliás, o tempo não volta. A oportunidade passou e não retorna. A fome de conhecimento continuou, mas uma overdose pode matar em vez de recuperar.

E se até o início do ano de 2020, as escolas públicas eram 'o porto seguro' dessas crianças, especialmente as das comunidades formadas por famílias de baixíssima ou nenhuma renda, viu seu papel voltar a ser o essencial, o de ensinar o saber científico.

 Esta talvez seja a maior das mudanças que vivenciamos neste ano. As escolas se voltaram a cumprir sua atividade básica: a de ensinar. Devolvendo à família o papel de provedor. E a família precisou 'correr atrás” e recuperar seu papel social, devolvendo à escola a sua missão maior: a de ensinar. Infelizmente, ambas descobriram-se impotentes em cumprir suas missões.

 No Brasil, o país dos contrastes, que é capitalista como a quase totalidade dos países no mundo, os estudantes de universidades públicas receberam gratuitamente equipamento e pacotes de dados de internet para acompanhar as aulas via internet. Mais uma inversão de valores descarada. Prova de que a atual política pública educacional brasileira é a de privilegiar os já privilegiados (21% da população tem curso superior).

 Enquanto os pequenos, as crianças e adolescentes de escolas públicas estão há mais de um ano sem fazer qualquer atividade de aprendizagem, por não terem internet e nem equipamentos para estudar a distância. Não há verbas e, em alguns casos, nem vontade dos gestores educacionais, nem mesmo para reproduzir em papel e entregar as atividades aos alunos (que não vão buscar) para fazerem remotamente.

 Ainda há muito a ser feito no Brasil. O essencial ainda está invisível aos olhos dos estudantes e professores brasileiros. Mas há algo que não mudará tão cedo: o reconhecimento da importância da escola no desenvolvimento humano e intelectual de nossas crianças, adolescentes e jovens. E, finalmente, a importância e o papel do professor, no processo de ensino. E, infelizmente neste quesito, aprendemos pela dor e sofrimento, em vez de aprendermos por amor. E, convenhamos aprendemos por muito sofrimento...



 
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