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Notícia

16/05/2015-21h01

Cinquentenário da Udesc traz reflexões sobre vigilância digital em aula magna de Manuel Castells

Para sociólogo, democracia e privacidade sofrem com vigilância estatal e empresarial - Fotos: Jefferson Baldo
Para um público de cerca de 700 pessoas que lotou o Teatro Governador Pedro Ivo, em Florianópolis, o sociólogo espanhol Manuel Castells proferiu a aula magna "Vigilância, privacidade, poder e contrapoder na era digital" na quinta-feira à noite, 14, em evento da programação dos 50 anos da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc).

Castells, que é professor da Universidade Aberta da Catalunha, na Espanha, e um dos pensadores mais influentes do mundo com análises das transformações sociais pelas novas tecnologias, felicitou a Udesc por "sua brilhante trajetória acadêmica" e fez uma apresentação de quase duas horas, prestigiada pela comunidade universitária, gestores estaduais e profissionais das áreas de Ciências Sociais e Comunicação.

A Udesc chegará ao cinquentenário na próxima quarta-feira, 20, às 19h, e comemorará a data com uma solenidade no Teatro Ademar Rosa, no Centro Integrado de Cultura (CIC), em Florianópolis. Alunos, professores e técnicos da universidade, assim como a comunidade em geral, estão convidados a participarem do evento.

Relações de poder

Na abertura da palestra de quinta-feira, Castells explicou que preferiu abordar a questão da vigilância, em vez de assuntos como movimentos sociais e redes, por se tratar do seu tema atual de pesquisa.

Para introduzir suas reflexões sobre vigilância, fez uma rápida e didática apresentação sobre como as relações de poder sempre foram a base da vida pública das sociedades, estando presentes não somente na política, mas também nas demais áreas, como a economia e a cultura.

Como reação ao poder, o sociólogo explicou que formas de contrapoder por grupos excluídos e não representados surgiram ao longo dos séculos. "A única lei social que se pode afirmar historicamente é que, onde há dominação, há resistência", afirmou.

Na comunicação, um dos campos mais pesquisados pelo palestrante, o poder sempre se apresentou por meio do monópolio e do controle da informação. "Tanto o poder quanto o contrapoder dependem da comunicação, pois a partir dela se geram os comportamentos individuais e coletivos."

Além da importância sobre a formação das pessoas, a comunicação é vital para a geração de riqueza, visto que a produtividade necessária para a acumulação de capital depende da capacidade de se processar informações e transformá-las em conhecimento.

Castells destacou que o cenário atual de mudanças tecnológicas e do desenvolvimento da internet está afetando profundamente os processos de acumulação de riqueza e de poder, com a capacidade de se comunicar cada vez mais difusa e não mais exclusiva de grupos estatais e empresariais.

"O planeta está conectado pela difusão dos celulares e da internet", comentou, mencionando dados que envolvem bilhões de pessoas. "Hoje, 50% da população adulta do mundo já tem um smartphone pelo menos e isso chegará a 80% em breve", declarou.

Participar de revolução tem preço

As transformações tecnológicas enfatizadas pelo palestrante criaram um cenário de "revolução absoluta", com distintas formas de efeitos sociais. "A pesquisa acadêmica é a única viável para analisar os efeitos desse novo sistema de comunicação e informação", apontou.

Com as atividades globais interligadas pelos códigos da linguagem digital, o cada vez mais gigantesco volume de dados, o big data, vem despertando novas formas de controle por parte dos dois sistemas da sociedade contemporânea, na visão de Castells: o estado e o capital, cujos objetivos principais são respectivamente a maximização do poder e a do lucro (palavra falada por ele, no idioma espanhol, como ganancia).

E como se exerce o poder? Citando o sociólogo alemão Max Weber (1864-1920) e o filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937), Castells explicou que sempre houve a coerção, com o estado detendo o monopólio da violência, e a persuasão, que é a capacidade de influenciar as pessoas para gerar, por exemplo, submissão e aceitação da realidade social.

"As duas formas existem e se complementam, sendo a persuasão a mais importante. No entanto, quando saímos de um padrão de comportamento estabelecido, os mecanismos de coerção entram em funcionamento", afirmou.

A vigilância, que sempre foi um recurso histórico dos grupos dominantes para manter e aumentar o poder, ficou fundamental na era digital para as empresas que dependem da transformação de atos humanos em bens de consumo e passou a ser "totalizante". "Todos os nossos dados, as nossas vidas, estão conectados. Tudo está registrado para sempre no big data", comentou o palestrante.

A transformação das pessoas em consumidores e depois em mercadorias é a base do modelo de negócio da internet, que é pago por nós com nossos dados, usados para alimentar estratégias direcionadas de publicidade. "Se eu quero participar desse mundo rico de comunicação social, tenho que pagar de alguma maneira", alertou Castells.

Privacidade e democracia ameaçadas

No contexto apresentado pelo sociólogo, duas tendências complementares são observadas por ele: a concentração da informação nas mãos de agências governamentais e empresas de internet e a descentralização da comunicação por meio de aparelhos como os smartphones, que permitem às pessoas se comunicarem de forma autônoma.

"Quanto mais descentralizada a comunicação, mais produziremos informação, que será concentrada para armazenamento, recombinação e reutilização", salientou. "Por isso, as empresas de internet são a favor do não controle governamental da comunicação."

Essas tendências, na visão de Castells, trazem consequências que diminuem a privacidade das pessoas e os direitos delas em decidir quais aspectos da vida querem tornar públicos ou não.

Para o estado, isso é um efeito colateral, pois o grande objetivo é a vigilância total, auxiliada pelas empresas que vendem tecnologias de interceptação, armazenamento e processamento de dados e ganham medidas estatais desregulatórias em troca.

"A democracia está ameaçada pela vigilância da sociedade digital. A privacidade está ameaçada pela mercantilização da informação", advertiu o palestrante. Vivemos em uma sociedade digital marcada por contradições como a recusa das empresas de internet em ter seus próprios dados vigiados e por formas de resistência como a criptografia, que protege informações dos usuários.

O sociólogo relembrou ao público que as agências de vigilância dos estados ganharam mais força após os ataques de 11 de setembro de 2001 nos Estados Unidos, que foi um "momento de ouro" para elas usarem a prevenção contra ações de grupos extremistas como justificativa para a retenção maciça de informações sobre cidadãos do seu país e de outras nações.

Ao falar da extensão das atividades de interceptação da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês) que foram reveladas pelo analista de sistemas americano Edward Snowden, Castells comentou que todas as grandes agências ocidentais estão interligadas em uma "rede global burocrática de vigilância", realizando parcerias para a obtenção de dados transnacionais.

"Como a Alemanha e a França não podem, por lei, vigiar seus cidadãos, os dois países fizeram um acordo: os alemães vigiam os franceses e vice-versa, trocando depois as informações", afirmou, citando uma situação tão absurda que fez a plateia da aula magna rir bastante. Em um cenário no qual tudo se registra e nada desaparece, o sociólogo sentenciou: "Esse mundo já está aí".

[Para quem quiser saber mais sobre as revelações de Snowden e suas consequências, recomendam-se o livro "Sem lugar para se esconder" e o site The Intercept, do jornalista americano Glenn Greenwald, e o documentário "Citizenfour", que foi dirigido pela cineasta Laura Poitras e ganhou o Oscar de Melhor Documentário neste ano.

Outras obras sobre vigilância sugeridas são "Cypherpunks - Liberdade e futuro da internet" e "Quando o Google encontrou o WikiLeaks", de Julian Assange, editor do site WikiLeaks.]

Sistemas de contrapoder

Entre os principais representantes da reação à vigilância digital, estão ex-membros de agências estatais, que, por ética pessoal, decidiram revelar a espionagem e a interceptação generalizada de dados pessoais, ações que afetam seriamente os direitos civis.

Castells mencionou Snowden como exemplo, mas aqui cabe também o registro para o ex-soldado Chelsea Manning, que cumpre pena de 35 anos de prisão desde 2013 nos Estados Unidos por ter repassado mais de 700 mil documentos confidenciais do exército americano para o WikiLeaks. Em setembro de 2014, ela começou a publicar artigos sobre vigilância no jornal inglês The Guardian.

O sociólogo espanhol também citou os sistemas de contrapoder formados por "ativistas legais", que buscam manter direitos de privacidade com ações na Justiça e em parlamentos, e por hackers, sobretudo os do Anonymous, que lutam para proteger a privacidade das pessoas e invadem redes de agências governamentais por "motivos políticos ou de pura diversão".

Castells ainda falou de grupos de contravigilância, composto por jornalistas e movimentos sociais, que vigiam os atos dos grupos dominantes e das organizações controladas por eles, como a polícia. Um smartphone, por exemplo, é capaz de registrar uma ação policial violenta e divulgá-la no mesmo momento. "Isso é uma diferença em relação ao passado, possibilitada pelos meios tecnológicos."

Por fim, ele citou rapidamente outra forma de resistência, por meio de alianças entre ativistas e empresas de internet, mas não chegou dar exemplos e discorrer sobre possíveis conflitos de interesse devido ao fim do tempo programado para a primeira parte da aula magna.

Antes de responder as perguntas do público, o sociólogo defendeu que uma internet livre precisa ter os direitos dos usuários respeitados. "A luta mais antiga da história, a da liberdade, se amplia na sociedade digital", ressaltou.

Papel de escolas, universidades e jornalistas

A parte final da palestra contou com perguntas do público e da professora Paula Schommer, que está ligada ao Departamento de Administração Pública do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag), da Udesc. Uma dos questionamentos da docente foi sobre o papel das universidades na sociedade digital.

Na opinião de Castells, elas são "espaço único" para a liberdade de se fazer perguntas, de se buscar respostas e de realizar críticas e denúncias. Para isso, precisam desenvolver mais pesquisas e mais reflexões para conscientizarem os cidadãos sobre a extensão e os riscos da vigilância de estados e empresas aos direitos civis. "É preciso introduzir e difundir essas questões", recomendou.

Do público, partiram perguntas sobre os papeis das escolas e dos jornalistas nesse contexto. Em relação aos estabelecimentos educacionais, o sociólogo enfatizou a importância de usar exemplos do cotidiano para ensinar os jovens a processarem as informações disponíveis na internet. 

"A internet é um sistema de informação, enquanto a escola é um sistema de processamento de informação e de valores", disse o palestrante. 

Sobre os jornalistas, Castells defendeu que eles são mais "importantes do nunca" e a profissão deve ser mantida, buscando escapar dos conflitos de interesses econômicos, políticos e ideológicos.

"O mais importante é a parceria entre jornalistas e cidadãos-jornalistas. É uma aliança estratégica em defesa da autonomia da informação", finalizou.

Leia mais:

14/05/2015 - Abertura oficial da programação dos 50 anos da Udesc homenageia pioneiros da universidade

08/05/2015 - Udesc divulga lista dos 550 sorteados para aula magna do sociólogo espanhol Manuel Castells

30/04/2015 - Udesc completará 50 anos de história com programação especial

Assessoria de Comunicação da Udesc
Jornalista Rodrigo Brüning Schmitt
E-mail: rodrigo.schmitt@udesc.br
Telefones: (48) 3321-8142/8143  
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