O alto fluxo de turistas impulsiona o comércio, mas também produz efeitos visíveis no dia a dia dos moradores de Florianópolis. Praias lotadas, filas de carro e preços mais caros são cenas comuns durante a alta temporada, que registrou, em janeiro de 2025, o
maior índice de inflação dentre as capitais.
Períodos de pico populacional impactam a administração das cidades. O excedente de pessoas
exige planejamento estratégico para o investimento adequado de recursos em infraestrutura, como custos adicionais no fornecimento de água e luz elétrica.
Para facilitar as decisões da gestão pública, professores da
Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc), do
Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas (Esag), desenvolveram um modelo preditivo que prevê o número aproximado de turistas em Florianópolis, a partir de dados da coleta de lixo fornecidos pela
Autarquia de Melhoramentos da Capital (Comcap). Os resultados foram publicados em agosto deste ano no periódico internacional
Current Issues in Tourism.
O modelo preditivo é uma função matemática que utiliza dados históricos e métodos estatísticos para identificar padrões e prever a probabilidade de resultados ou eventos futuros.
“A ideia não é acertar o valor exato de pessoas, mas entender mais ou menos quanto se espera e, a partir disso, fazer o planejamento de uma cidade mais inteligente”, comenta
Rafael Tezza, um dos autores da pesquisa. Além dele, assinam o artigo os professores
Julio da Silva Dias,
Marcelo Luiz Brocardo,
Adriano Amarante e
Issa Traoré, da Universidade de Victoria, no Canadá.
Tanto o poder público quanto empresários podem fazer uso do modelo preditivo. Antecipar a demanda gerada pelos visitantes “otimiza a alocação de recursos para coleta de lixo, saneamento, gestão de tráfego e outros serviços essenciais”, concluem os autores. A previsão também possibilita que o comércio organize estoque e equipes de trabalho, evitando perdas financeiras.
Comparado a outros estudos populacionais, o modelo oferece uma alternativa rápida, barata e prática. É mais ágil do que o censo demográfico nacional, realizado de dez em dez anos. Possui baixo custo, ao contrário de previsões feitas por empresas de viagem. E não envolve acordos complexos de compartilhamento de dados, como o setor das telecomunicações, facilitando o acesso e a análise dos pesquisadores.
Números com mais precisão
Turistas fazem parte da chamada “população flutuante”, termo que engloba qualquer visitante temporário em uma cidade. Quem trabalha em Florianópolis, mas mora em São José ou Palhoça, também está no grupo – o movimento contínuo de vai e volta é chamado de “pendular”. Contudo, o modelo desenvolvido pelos pesquisadores foca apenas no excedente formado por turistas.
Pesquisas que envolvem grupos dinâmicos, como as populações flutuantes, têm o desafio de aferir e validar indicadores confiáveis. Segundo explica o professor Julio, o erro faz parte dos modelos preditivos. “Fazemos estudos para tentar diminuir essa margem”, assinala.
Em outubro, a Prefeitura Municipal de Florianópolis anunciou a expectativa por
3 milhões de visitantes entre 15 de novembro e 15 de maio de 2026. Mais do que o quíntuplo de moradores da ilha, a projeção, caso se concretize, resultaria no maior volume de turistas na história da capital. O modelo preditivo testado pelos professores, por outro lado, reduz a previsão para um número entre 2 milhões e 2 milhões e meio.
Segundo a
Secretaria Executiva de Operações de Mobilidade, o cálculo baseia-se em três indicadores: estimativas do Aeroporto Internacional Hercílio Luz, do Terminal Rodoviário Rita Maria e da contagem de tráfego por veículos particular conforme anos anteriores.
Trata-se de um modelo matemático simples, avaliam os professores. Mesmo considerando os principais meios de acesso à capital, o indicador dos aeroportos, por exemplo, é impreciso, e pode superestimar o número total de turistas. Nem todos os voos projetados para o período correspondem a pessoas que permanecerão algum tempo em Florianópolis.
“Nossa proposta é melhorar as previsões e torná-las mais assertivas”, afirma Rafael. Para isso, os professores demonstraram que a produção de lixo é um indicador confiável nas estimativas sobre a população flutuante. O resultado da pesquisa possibilita novos cruzamentos com outras bases de dados, contribuindo para o planejamento urbano de Florianópolis.
Como funciona o modelo
Ao analisar dez anos de coleta de lixo da Comcap, o estudo identificou impacto direto do turismo na geração de resíduos. Durante os meses de alta temporada (dezembro e janeiro), com população flutuante ultrapassando 190 mil visitantes, chega-se a mais de cinco mil toneladas de lixo. Em contraste, o período de junho e julho, com o menor número de turistas (13 mil), gera menos de 400 mil quilos.
Cada pessoa produz 0,93 quilos de lixo por dia, afirma a pesquisa, com base em um cálculo de regressão linear. O resultado é estatisticamente significativo e indica forte relação entre a população flutuante e a geração de resíduos.
Principal resultado do estudo, o modelo preditivo foi desenvolvido a partir de séries temporais e treinado com a base de dados da Comcap. Cruzamentos com outras fontes, como censos do
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ajudam a incrementá-lo. Após testes e ajustes, o modelo é capaz de identificar padrões de tendências, sazonalidades e ciclos, possibilitando previsões para os meses futuros.
Os autores testaram a fórmula para prever a população flutuante referente ao período de um ano, entre junho de 2022 a julho de 2023. Graças ao recenseamento demográfico mais recente, os dados reais desse período já existiam. O que o estudo fez foi compará-los com a previsão do modelo preditivo. Chegou-se a valores próximos dos reais, validando a capacidade do instrumento para prever populações flutuantes por meio da produção de lixo.
O estudo também confirma que resíduos sólidos são um indicador confiável para a mensuração. “O caminhão de lixo chega à Central de Triagem após a rota, os resíduos são pesados e os dados vão para o sistema”, explica o professor Julio. A automatização do processo de coleta contribui para que não haja interferência humana sobre o resultado.
Outra particularidade do estudo diz respeito ao contexto local. Florianópolis, ao contrário de outras cidades do estado, como Joinville, não possui economia centrada apenas nas indústrias. O alto número de indústrias poderia dificultar a análise, já que a produção de lixo industrial não guarda relação direta com a população flutuante do turismo.
Próximos passos
A equipe pretende continuar aprimorando o modelo preditivo nos próximos meses. Mais variáveis serão incorporadas - dados de mobilidade, ocupação hoteleira e de eventos programados, como feriados, melhorando a precisão dos resultados. A longo prazo, o objetivo é gerar informações em tempo real por meio de um repositório contínuo de dados.
O
Laboratório de Tecnologias de Gestão (LabGES), do qual os autores fazem parte, também produz análises a partir de outras bases de dados. Sob coordenação dos professores Carlos de Rolt e Julio da Silva Dias, o grupo de pesquisa acaba de firmar cooperação com a
Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan) e a
Centrais Elétricas de Santa Catarina (Celesc), o que deve gerar novos estudos.
O artigo sobre modelos preditivos integra pesquisas mais amplas desenvolvidas pelo LabGES. O professor Rafael Tezza, por exemplo, é bolsista de produtividade pelo
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com pesquisa sobre o desenvolvimento de métricas de big data para cidades inteligentes.
Outro projeto em vigor é o
ParticipACT, na qual cidadãos podem registrar problemas urbanos diretamente à ouvidoria da Prefeitura de Florianópolis. E o
MatMap, plataforma gratuita em que empresas e instituições podem avaliar sua maturidade organizacional.
O LabGES também cooperou com a
Agência de Desenvolvimento do Turismo de Santa Catarina (Santur), extinta em novembro de 2025 pelo governo do estado. Pesquisadores produziram dados para uma ferramenta de monitoramento do turismo catarinense, o
Almanach.
Atualmente, o grupo conta com recursos do
Programa de Apoio à Pesquisa (PAP) da Udesc e da
Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (Fapesc). Julio frisa a importância dos convênios para a aquisição de equipamentos, softwares, servidores para processamento de dados e contratação de recursos humanos, como programadores.
Para o futuro, a equipe continua apostando no impacto social das pesquisas.
“O que fazemos não é puramente teórico”, ressalta Rafael. “Tem teoria, porque precisamos dessa base, mas sempre pensamos na entrega que a gente dá à sociedade”, complementa.
Contate os pesquisadores
Julio da Silva Dias é professor da Udesc no Departamento de Administração Empresarial e no Programa de Pós-Graduação em Administração. É um dos coordenadores do Laboratório de Tecnologias de Gestão. Possui doutorado em Engenharia de Produção pela UFSC. Atua nos seguintes temas: segurança, criptografia, documento eletrônico e estatística.
E-mail: julio.dias@udesc.br
Rafael Tezza é professor titular da Udesc no Departamento de Administração Empresarial e no Programa de Pós-Graduação em Administração. Possui doutorado em Engenharia de Produção pela UFSC. Atua nos seguintes temas: big data, cidades inteligentes, estatística aplicada à gestão.
E-mail: rafael.tezza@udesc.br
Este texto integra o projeto
Udesc+Ciência, produzido pela Secretaria de Comunicação da Udesc com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina (
Fapesc).
Assessoria de Comunicação da Udesc
Jornalista Dairan Paul
E-mail: comunicacao@udesc.br
Telefone: (48) 3664- 8006